Ladrando à Lua (6) - Ora pipocas...

Fomos uma grande nação há 500 anos (atenção: escreve-se HÁ 500 anos, do verbo haver, e não À 500 anos). Segundo reza a história (isto se os cronistas não fossem todos uns grandes mentirosos), demos novos mundos ao mundo, passámos o cabo Bojador e o cabo das Tormentas, traçámos a rota para a Índia, descobrimos o Brasil, ajudámos a escrever o mapa do mundo (isto descontando, claro, que chegávamos aos territórios de África e dizimávamos os indígenas - não era propriamente uma ocupação pacífica; e que os marinheiros não eram intrépidos aventureiros, mas dos piores bandidos e condenados do reino que eram metidos quase à força nas caravelas, para se verem livres deles; mas isso são contas doutro rosário...). Enfim, tivemos algum poder no mundo, como outros países que tiveram colónias por aí e ainda hoje mantêm ligações aos ex-territórios, casos da Espanha, França e Inglaterra. Depois foi a decadência (alguns anitos depois, mas foi...). Um governo autista e fechado sobre si mesmo não resolveu a tempo a questão de África, deixando o odioso da descolonização e respectivas sequelas para os que vieram depois e tiveram que resolver tudo mal e porcamente, porque feito à pressa. Contingências da história...
O que é triste é termos deixado os nossos valores irem todos pelo cano, estando a transformar-nos cada vez mais numa colónia de todos os que cá entram, tanto a nível económico (ainda outro dia alguém escreveu que nem no tempo dos Filipes a Espanha nos dominou tanto como agora...), como, sobretudo (e isto é que é mais lamentável), a nível cultural. Hoje, cada vez temos menos referências, adulterando a nossa língua e os nossos hábitos ao sabor de qualquer moda imbecil que nos aparece pela porta dentro. Os exemplos multiplicam-se e estão a atingir proporções impensáveis. Desde a colonização linguística importada do Brasil, à assimilação indiscriminada dos mais estúpidos hábitos americanos (mas há alguma coisa que venha de lá e não o seja?). Entre estes, e já descontando os inevitáveis hambúrgueres, tivemos ultimamente o aparecimento de uma tal noite das bruxas, que só existe nos Estados Unidos e que nunca teve por cá qualquer significado, tal como antes já tivéramos o dia de S. Valentim, que não passam de mais pretextos para incitar ao consumismo desenfreado. Mais recentemente ainda, foi introduzido o Hard Rock Café, que para além de ser um espaço interessante nas referências a nomes famosos do rock, em termos gastronómicos é mais uma porta de entrada na comida americana, que eu francamente não sei se deva chamar “fast food” ou “fast die”, tal é o teor dos temperos usados. Provando um daqueles petiscos, facilmente se percebe porque é que uma grande parte dos americanos é obesa. Francamente, já tínhamos cá que chegasse para nos engordar, esta nova moda não fazia cá falta nenhuma.
Pior é outro hábito que se começa a enraizar, que é o das mulheres porem silicone no peito, porque querem fazê-lo maior (vá lá saber-se porquê), só porque nos EUA gostam de mamas do tamanho de pães de quilo, que como se pode ver em filmes ou fotografias são uma verdadeira aberração estética. Outra mania inexplicável é a de rapar os pêlos púbicos (nas mulheres e nos homens) ou fazer circuncisões (outra tradição de alguns povos que vivem na pré-história e de outros que já não deveriam viver), hábitos que são publicitados nalgumas séries americanas, como se questões relacionadas com os genitais fossem objecto de moda! Um dia destes, se calhar, ainda vamos começar a comemorar também o Dia da independência a 4 de Julho e o Dia de Acção de Graças, que ninguém sabe o que é!
Mas se muitas destas modas importadas são, já de si, suficientemente imbecis, há uma que é a estupidez levada ao extremo, e que é mais irritante que qualquer outra, porque incomoda quem está à volta. Refiro-me a essa mania aberrante que existe nalguns cinemas (da Warner Lusomundo, principalmente) de comprar e levar para dentro da sala baldes enormes de pipocas, que depois são furiosamente devoradas pelos ávidos cinéfilos (?), para quem parece que um filme não pode ser visto sem estarem a ruminar durante duas horas como se fossem bovinos. Se querem fazer papel de parvos, o problema é deles. Só que os outros espectadores, que APENAS pretendem ver um raio dum filme em sossego, têm que passar duas horas a ouvir um bando de imbecis a mastigar no cinema e a chocalhar as malditas pipocas no balde! Uma vez tive que mudar para um lado da sala onde ficasse o mais longe possível da manada de ruminantes, de modo a não ouvir aquela anormal banda sonora.
O mais grave nisto é que pessoas nossas amigas, que muitas vezes até consideramos inteligentes e sensatas, alinham nesta completa estupidez, encharcando-se parvamente dum produto que, francamente, nem sei que aliciante é que tem. Há um princípio que todos deveriam seguir: o cinema é para ser visto em silêncio e numa sala escura, ao contrário da televisão. Para além dos diálogos e da banda sonora do filme, são normais as gargalhadas do público nas comédias, ou umas lagrimazinhas nos maiores dramas. Mas o SOM DE MASTIGAÇÃO DE PIPOCAS, definitivamente, não faz parte dos adereços que devem estar presentes numa sala de cinema! E a coisa é tão perversa que eles até têm a lata de afixar um letreiro, onde avisam que não é permitido levar para a sala comidas ou bebidas que não tenham sido compradas no cinema. Ou seja, se comprarmos o famoso hamburger nos amigos do McDonald’s temos que comê-lo cá fora. Mas pipocas, não. Parece mesmo que a maior parte da facturação destes cinemas é, precisamente, com a venda das malditas pipocas. Comigo, iam à falência.
Por mim, já decidi não ir a cinemas destes. Felizmente ainda há cinemas (infelizmente poucos) onde o letreiro avisa que não se pode comer ou beber dentro das salas. Aleluia! Só lamento que a esmagadora maioria dos meus compatriotas não siga este princípio. Porque, já agora, gostava de perceber uma coisa: se toda a vida se viu cinema sem comidas nem bebidas, por que carga de água é que precisam de mastigar pipocas enquanto vêem um filme? (E já agora: VÊEM, do verbo VER, e não VÊM, do verbo VIR).

Kroniketas, sempre kontra as tretas

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