Ladrando à Lua (4) - Alcântara-Ar

É cíclico. De quando em vez surge uma alma iluminada que tenta à viva força transferir Manhattan para Portugal. É certo que ainda nenhuma dessas tentativas se lembrou de colocar um arranha-céus de dezenas de andares num monte alentejano, mas Lisboa e arredores não se livram destas consecutivas manobras de construção em altura.
Depois da Manhattan de Cacilhas – que nem era má de todo, não sou velho do Restelo – calhou-nos o empreendimento Alcântara-Ar, desta vez com tentativa de caucionamento cultural por via do autor do projecto, o Arquitecto Siza Vieira. Autor de diversas obras de grande valor (da que gostei mais foi mesmo dos novos cálices para vinho do Porto!), resolveu agora passar a obras de grande altura. Que isso se passasse em qualquer incaracterística cidade americana, vá que não vá – agora um arranha-céus no vale de Alcântara? Entalado entre a ponte e o aqueduto, qual paliteiro pós-moderno a limpar os dentes a algum deus mais rasteiro?
Mas mais maquiavélico que isso é quererem-nos convencer que a alternativa é ter uma espécie de Chelas para executivos com corredores fininhos entre prédios mais baixos mas mais numerosos! E não construir tanto, já pensaram nisso? Os poderes públicos nada têm a dizer? O lobby do cimento continua a mandar, e com o Santana que não é Vasco (infelizmente) na Câmara apenas ganhámos obras de fachada (túnel para que vos quero!) e magníficos cartazes publicitários – que pelo menos servem para tapar fachadas degradadas e dar mais cor à cidade (mais propriamente, cor de laranja…).
Ouçam antes o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que é dos poucos que consegue pôr o interesse público à frente das cores partidárias! E tem a vantagem de ser paisagista, pelo que qualquer projecto que risque não vai além das copas das árvores que nele colocar.
Vá a acordar, carneirada! Quem manda no país somos nós todos e não as abéculas, mandaretes e maquiavéis de trazer por casa que ajudámos a colocar nos poleiros a que chamamos Governo e Câmara Municipal! Um cargo político é um mandato para representar quem os elegeu, não para se esquecerem do que prometeram e fazerem o que lhes dá na gana!
(Depois deste arroubo revolucionário, certamente inspirado noutros tempos do nosso Primeiro, voltemos lá à nossa terceira via de vagão de mercadorias…)
Em conclusão, se nada fizermos desta vez, outros paliteiros hão-de aparecer por essa Lisboa fora, nos sítios mais inomináveis, e talvez acabemos por ver uma colina do castelo cercada por magníficos arranha-céus com magníficas penthouses para os barões do cimento e suas marionetas amestradas verem de cima o que tanto Afonso penou para conquistar…
tuguinho, cínico encartado (email4feedback: kronikastugas@hotmail.com)

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