Match point


Há muito que eu defendo esta ideia: há coisas que nos acontecem na vida sem que nós façamos nada por isso, e muitas vezes é o acaso a decidir por nós. Tenho, até, algumas ideias aparentemente rebuscadas a esse respeito, mas que fazem todo o sentido.
Fez no mês passado 15 anos, se uma rapariga não tivesse saído da empresa em que trabalhava, hoje não existiriam as Krónikas Tugas nem as Krónikas Vinícolas. Porquê? Porque não teriam vindo procurar-me para eu ocupar esse lugar e eu não teria ido trabalhar para o lado do Tuguinho! Aí está como dois factos aparentemente impossíveis de ligar acabam, remotamente, por estar intimamente associados e um dá origem a outros que doutra forma nunca aconteceriam.
“Match point” é uma expressão usada no ténis para designar o serviço que pode dar a vitória no encontro ao jogador que está em vantagem. Também se utiliza o termo “set point” para designar o ponto que decide um “set”, assim como o “break point” designa aquele em que o jogador em vantagem pode ganhar o jogo quando o adversário está a servir. Noutras modalidades jogadas aos pontos, como o voleibol ou o ténis de mesa, também é habitual falar na “bola de set” ou “bola de encontro”.
O que é que isto tem a ver com o filme de Woody Allen? É que o tema do filme está relacionado precisamente com os acasos da vida, como esse de, num jogo de ténis, a bola bater na tela da rede e, por um momento, poder cair para lá da rede e dar a vitória ao jogador, ou cair do lado de cá e derrotá-lo. A história começa precisamente assim.
Com a habitual sagacidade, Woody Allen cria um enredo em que uma série de acontecimentos se vão sucedendo por factores absolutamente casuais. Desta vez não filmou em Nova Iorque mas em Londres, onde um jogador de ténis que não conseguiu derrotar os grandes viu-se confinado a ser professor de ténis. O acaso leva-o a ter um novo aluno com quem rapidamente descobre uma afinidade no gosto pela ópera. Esta coincidência leva o aluno a convidar o professor para partilhar o camarote da família para assistir à ópera. A partir daqui, tudo se sucede: ele conhece a família do aluno, choca com a noiva americana deste (a fabulosa Scarlett Johansson) por quem rapidamente se percebe que fica fascinado (e quem não ficaria?), envolve-se com a irmã, é convidado para um lugar numa empresa da família, até que acaba por casar com a irmã do aluno. Mais um acaso leva-lhe ao conhecimento que o amigo rompeu com a noiva americana, e percebemos que se tivesse sido antes provavelmente ele não teria casado. Mas o acaso troca-lhe outra vez as voltas: numa galeria de arte que procurava para a mulher, reencontra a americana, por quem continua fascinado e que não larga mais, dando início a um romance furtivo e tórrido.
Até que a situação foge ao seu controlo e ele vê-se encurralado de tal modo que resolve planear um crime. E o filme acaba como começou: uma aliança atirada ao rio vai decidir o seu destino ao bater na grade de protecção e, tal como a bola de ténis que bate na tela, pode cair na água e desaparecer, ou cair no chão e ficar à mercê de quem a encontre… Mais uma vez, é o acaso que determina o resultado.
Um filme que vale a pena ver. Mostra-nos que, afinal, há tanta coisa que foge ao nosso controlo…

Kroniketas, cinéfilo interessado

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