Eu explico...

Não é que eu ache que tamanho chorrilho de disparates mereça grande atenção (lá diz o povo que não se deve gastar muita cera com ruim defunto), mas a verdade é que, ainda sobre o mesmo tema do post anterior, o prezado leitor João Titta (com dois TT) emitiu uma série de opiniões baseadas em falsos pressupostos, fez insinuações e atribuiu-nos intenções que só existem na sua cabeça, misturou alhos com bugalhos, trazendo à colação Marx, Lenine e Staline, e também fez juízos de valor a nosso respeito sem nos conhecer.
Fez bem, porque a opinião é livre, a asneira também e a estupidez não paga imposto. Felizmente podemos expressar as nossas opiniões sem medo da PIDE nos aparecer à porta, como acontecia no tempo dos Mellos (com dois LL) e dos Thomaz (com H e Z). Mas porque ficou claro dos seus comentários que não percebeu nada do que foi escrito, eu explico.
A nossa posição quanto à descriminalização do aborto é muito clara, é isso que está escrito no meu outro post e é isso que temos escrito repetidamente neste blog. Querer atribuir-nos outras intenções não expressas, colando-nos o título de cobardes por não o afirmarmos, só por má-fé ou estupidez. Eles, os “defensores da vida”, é que querem impor aos outros a sua vontade e retirar-lhes o direito de escolha. Eles são livres de não praticar o aborto, mas não querem reconhecer aos outros a liberdade de poder escolher de outra forma, sem com isso irem parar à barra do tribunal.
Quanto ao juízo que faz das nossas posições acerca da igreja católica, os factos falam por si. A igreja católica tem um passado vergonhoso de atentados aos direitos humanos. Lembra-se da “santa inquisição”? Das cruzadas que iam evangelizar os “selvagens” à base da espada? Sabia que havia candidatos a Papa que envenenavam os seus concorrentes à cadeira papal? Ouviu falar nos Bórgias? Porque será que os aposentos dos Bórgias no museu do Vaticano estão fechados?
Também não é graças à igreja católica que o mundo tem evoluído, pois ainda estaríamos a pensar que o sol gira à volta da terra (pois é, o pobre do Galileu lá murmurou entre dentes: “e pur si mouve!”).
Também durmo bem com a minha consciência, por isso não preciso de ir à missa ao domingo limpar a alma dos pecados cometidos ao longo da semana. Para os católicos isso chega, ou será que é porque precisam? É curioso que numa aldeia deste país o pároco local vive em concubinato com uma das paroquianas há mais de 30 anos, desde que ela tinha 13 anos mas, claro, tudo às escondidas. Hoje a senhora é alcoólica. E noutra localidade, havia uma senhora muito católica que se estava sempre a confessar e tinha 5 filhos, mas um dia foi necessário fazer testes de ADN aos irmãos por causa de uns problemas de incompatibilidade para um transplante e veio a descobrir-se que os dois últimos eram filhos do padre. Afinal, a tão católica senhora não ia lá só tomar a hóstia nem abrir só o espírito. Quem é que é hipócrita e abjecto?
Quanto ao Karl Marx, não sei o que é ele tem a ver com isto. Por acaso ainda não foi provado que as teorias dele estavam erradas. Mas ficamos a saber que o Titta (com dois TT) gosta dos pobrezinhos. Não admira. É preciso que os pobres sejam cada vez mais pobres para que os ricos sejam cada vez mais ricos – foi isso que Marx demonstrou. É por isso que eles fazem falta. Afinal, se não houvesse pobrezinhos como é que os Tittas (com dois TT), os Mellos (com dois LL), os Thomaz (com H e Z), as Lilis, as Cinhas e as Pipinhas podiam gozar as suas festas e fazer chás de caridade, e os muito católicos ministros podiam pedir 50 carros topo de gama porque os actuais, com dois anos de idade, já não servem? Claro, tem que se encaminhar o dinheiro para estas frugalidades, por isso é que não se pode dar aos pobrezinhos. Coitados. São tão pitorescos, não são? Mas deixem, nós rezamos por eles.
Ah, já agora: sabe que “O Capital” ainda hoje é estudado nas universidades?
Diz o sr. Titta (com dois TT) que gostaria de conhecer o nosso conceito de “vida digna”. Também não admira, porque não deve conhecer o mundo real das pessoas reais, em que a vida nada tem a ver com telenovelas nem revistas do jet-set. Mas eu posso dar-lhe dois exemplos do que NÃO É uma vida digna.
- Uma jovem de 17 anos teve um filho, o namorado deixou-a, e aos 3 meses o bebé em vez de ganhar peso, como é normal nesta idade, estava a perdê-lo. Porquê? Porque mãe e filho passavam fome! Deu na televisão.
- Curiosamente, na última 2ª feira também passou uma notícia na televisão que refere que há imensos bebés abandonados em hospitais por tempo indeterminado porque ninguém (os pais que os abandonaram, nomeadamente) os vai buscar, e porque os centros de acolhimento não têm vagas.
É contra isto que se manifestam aqueles que são pela descriminalização do aborto. Isto não é uma vida digna. E o que fazem os católicos defensores da vida quanto a isto? Porque não lhes dão abrigo e comida? E porque é que o Papa em vez de rezar pelos pobrezinhos não manda para lá comida ou dinheiro? Sabia que em Darfur já morreram 50.000 católicos à fome? Sabia que o Vaticano é das instituições mais ricas do mundo e um dos maiores accionistas?
Quanto ao planeamento familiar, será que sabe do que fala? Sabia que quando se está a tomar um anti-inflamatório este pode anular o efeito da pílula, e que muitas vezes nem o médico que o prescreve nem na farmácia que o vende referem tal facto? Duas amigas minhas, quase com 40 anos, engravidaram nestas circunstâncias, simplesmente porque desconheciam. Ninguém as avisou. Já tinham 2 filhos, ficaram com 3. Se isto acontece com pessoas casadas e adultas, como será com adolescentes? E se não pudessem ter mais filhos em casa? Se não tivessem dinheiro para os sustentar, ou cama para eles dormirem? Estão os “defensores da vida” tão preocupados com os direitos de uma célula do tamanho de um caroço, mas porque é que não se preocupam com a vida que estes seres vão ter quando nascerem? Não os preocupa se os filhos resultam de um acto desejado e se vão ter toda a assistência e o carinho que merecem?
E quanto à educação sexual nas escolas? O que dizem os católicos? Não se deve informar os jovens desde cedo? Ou limitam-se a ir aprendendo uns com os outros e com as revistas pornográficas que lhes chegam à mão? O que é que este católico governo pretende fazer em relação a isso? Não foi uma secretária de estado da Educação (provavelmente uma beata) que recusou liminarmente essa coisa horrenda que é ensinar às criancinhas que se o menino meter uma coisinha na menina pode nascer um bebezinho?
Quanto à frase “alguém obrigou ao acto sexual?”, só faltava esse argumento. É o mesmo princípio ridículo do inefável Sousa Lara, outro grande católico cheio de bons princípios, como se viu pelo seu envolvimento no caso-Moderna. Presumo que o leitor é daqueles que pratica a abstinência, como manda a igreja católica e o Papa. E já sabe, se tiver muita vontade, não se masturbe, porque isso é pecado. Leia antes um discurso do Papa, pode ser que passe.
Quanto à insinuação da eugenia social e de quem a defendeu, numa clara alusão aos nazis (com quem, aliás, a igreja católica foi complacente), é de uma tal baixeza, é tão reles e tão nojenta que só merece desprezo, e só pode vir de uma mente perturbada e tortuosa, que vê demónios em todos os cantos. Nem vou acrescentar mais nada a esse respeito, porque não quero descer a tal nível.
Espero que o sr. Titta (com dois TT) e todos os seus companheiros católicos, defensores da vida, tementes a Deus, adoradores do Papa, frequentadores da missa, tomadores da hóstia (e no caso de algumas católicas de mais alguma coisa...) e rezadores do terço continuem a dormir tranquilamente, a preocupar-se em mandar para tribunal as mulheres que abortam, a fazer chás de caridade e a rezar pelos pobrezinhos, enquanto continuam crianças a morrer à fome no mundo.

Kroniketas, sempre kontra as tretas

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