O aviltamento da língua portuguesa (I)

“A nossa pátria é a língua portuguesa”
(Fernando Pessoa)


Ponto prévio: as Krónikas Tugas não são contra a evolução da língua portuguesa. São contra a sua deturpação, o que é uma coisa bem diferente.
Dito isto, passemos à história da “estória”, que tem merecido algumas considerações do Pólis&etc depois do meu post inicial sobre o tema.
Não está em causa a introdução de novos termos quando isso é pertinente, muito menos a assimilação de estrangeirismos, em que aliás a nossa língua é fértil. Se assim não fosse não teríamos o restaurante nem o futebol, o basquetebol e o andebol, entre outros, e se calhar diríamos como os espanhóis “balompié”, “baloncesto” e “balonmano”. O que não concordamos é com a tentativa de introdução à pressão ou a martelo de expressões que, longe de enriquecerem a língua, antes a deturpam, e isso é um fenómeno a que se tem assistido ultimamente com frequência inusitada.
A utilização do termo “estória”, que como já foi demonstrado é um arcaísmo há muito arrumado no fundo do baú e reimportado do Brasil, não constitui uma evolução mas, pelo contrário, uma involução. Nada justifica a reintrodução duma expressão caída em desuso, quando a que está em uso serve para todas as situações, como foi referido no Ciberdúvidas. Eu, na escola, aprendi que na língua portuguesa havia palavras homónimas, homógrafas e homófonas, exactamente para os diversos casos em que o som e/ou a grafia iguais podiam ter mais de um significado. Assim se compreende que se use a mesma palavra para dizer que tenho uma mesa ao “canto” da parede, que gosto de ouvir o “canto” dos pássaros ou que “canto” até que a voz me doa. São sentidos diferentes e creio que ninguém os confunde. O mesmo se passa com a história. Aliás, a introdução de “estória” para certas situações, longe de facilitar, só complica, porque gera uma tremenda confusão acerca dos casos em que deve ser usada. Por exemplo, existe um livro chamado “Estórias de Alvalade”, acerca do antigo estádio do Sporting. Mas afinal, que “estórias” são essas? São “estórias” de ficção ou verdadeiras? São relatos de factos ali ocorridos; sendo assim a palavra está ou não mal usada? Porque não chamar-lhe “Histórias de Alvalade”?
Acresce a isto que, pessoalmente, me recuso a ser colonizado linguisticamente por quem não tem língua. No Brasil não há uma língua mas uma amálgama de vocábulos misturados, sem nexo nem critério, a partir de todas as expressões estrangeiras que vão aparecendo. Por isso acho de todo despropositado que se tentem introduzir à força expressões usadas naquele país, quando temos cá outras bem mais apropriadas para o mesmo efeito.
O mesmo se passa com o “bué”, que o Pólis&etc justifica como assimilado pelo português a partir do crioulo porque provém das inúmeras comunidades africanas residentes em Portugal. Acontece que durante os séculos em estivemos em África essas expressões nunca entraram na nossa língua corrente. Então porquê agora? A bem da interacção entre culturas temos que começar a aprender crioulo? E se, antes, fossem eles a aprender a falar português? É que, segundo reza a tradição, “em Roma sê romano”. Se temos que assimilar o “bué”, então deveremos também assimilar o “ya man”, o “bué da people” e o “ganda nice”?
Para mim isto é brincar com a língua portuguesa. Há expressões usadas na gíria e no calão das conversas de café, mas que não devem ser confundidas com o português correctamente falado ou escrito, por isso as pessoas não andam por aí a dizer “merda” e “porra” a torto e a direito; por isso se diz “tás a ver?” ou “tás a morder?” mas não se escreve.

(continua)

Kroniketas, defensor da língua portuguesa

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