Não se arranjam por aí uns castigadores da parvoíce?

Os acidentais fizeram uma ofensiva contra o Ricardo Araújo Pereira (Gato fedorento) porque este apareceu num jantar de apoio ao Bloco de Esquerda. Um dos argumentos usados é que um humorista “não devia ter ambições políticas”. Outro argumento, mais profundo, tem a ver com o passado dos regimes conotados com o comunismo e, suprema gravidade, o facto de o Ricardo ter sido filiado no PCP e ter saído do partido por causa do que fizeram ao Edgar Correia e ao Carlos Brito.
1ª questão: os acidentados não perdoam ao Ricardo o facto de ele ser de esquerda. Esse é o ponto de partida. Se ele tivesse aparecido num jantar de apoio ao CDS/PP (o grande guia espiritual dos sinistrados) ou do PSD apenas estaria, certamente, a exercer um direito de cidadania que lhe assiste, como a qualquer democrata-cristão, liberal ou conservador. O grave é que uma figura de popularidade crescente, que protagoniza um sketch que até já se transformou em anúncio e entrou na linguagem do dia-a-dia dos cidadãos, teve a ousadia de aparecer em público a apoiar um partido que é mal visto e mal aceite por algumas cabeças “bem-pensantes” do nosso burgo. Ou seja, o Ricardo Araújo Pereira não é politicamente correcto e apoia um partido que também não o é. Isso não se faz!
2ª questão: o que a “moderna” direita portuguesa não consegue engolir é que as suas teorias não medram (não confundir com merdam) como eles gostariam. O CDS é um partido que está sempre a viver na sombra do PSD (e tem de se colar ao PSD para ser governo), que esteve à beira da extinção no tempo de Cavaco Silva, enquanto o BE surgiu há poucos anos da aglutinação de pequenos partidos à esquerda do PCP e tem vindo a crescer de eleição para eleição. Os despistados entraram em pânico com a sondagem da (suprema ironia) Universidade Católica para a RTP e Público, que punha o BE com 8% das intenções de voto, a par do PCP, e o CDS/PP com 6%. Como no sábado o Expresso publicou outra sondagem que punha o BE com 4% e o CDS em 3º lugar, logo se apressaram a vir perguntar onde estão o Francisco Louçã e o Jerónimo de Sousa, que não comentaram esta sondagem. Se calhar não comentaram porque a RTP não lhes foi perguntar, porque não era a sua sondagem.
(Parêntesis para dizer que essa sondagem deve ser a da SIC, da responsabilidade da Eurosondagem. Esta empresa, como se sabe, é a do Rui Oliveira e Costa que, na noite das presidenciais americanas, deu 95% de hipóteses de vitória ao candidato derrotado… É só uma nota.)
3ª questão: os direitistas/conservadores portugueses não conseguem (porque não querem ou não têm capacidade para tal) distinguir a teoria da “sociedade sem classes” da prática dos aparelhos partidários e dos governos que instalaram regimes totalitários e opressivos sob a capa do comunismo. O filme REDS, protagonizado por Warren Beatty, é um excelente retrato do que era o ideal da revolução russa e no que a mesma foi transformada pelos burocratas do partido. O “ideal comunista” era, em tese, conseguir uma sociedade mais justa e dar o poder ao povo. Se isso é atingível ou não é outra conversa que não vem agora ao caso, mas há uns anos Álvaro Cunhal disse, numa espécie de reedição do debate com Mário Soares, que a utopia continua a fazer sentido. Isso mesmo: a utopia de conseguir um mundo onde toda gente tenha as mesmas possibilidades, que é ligeiramente diferente de uma “ditadura de esquerda”. Mesmo sendo uma utopia, se calhar a teoria, bem usada, poderia abrir caminhos para uma sociedade onde os ricos não fossem cada mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, como acontece nas sociedades capitalistas.
Mas o pensamento obtuso da corrente política dos capotados confunde a obra-prima dum mestre com a prima do mestre-de-obras e mete tudo no mesmo saco. Assim, qualquer pessoa que seja apoiante, militante, filiada ou simpatizante num partido à esquerda do PS é apontada a dedo como se fosse leprosa e uma criatura repelente. E eu pergunto: não são o BE e o PCP partidos legalizados, com os mesmos direitos do CDS/PP? Não concorrem às eleições em igualdade perante os eleitores? E os seus votantes não são cidadãos de pleno direito como os do PSD e do CDS? Ou será que os 4%, 6% ou 8% que forem votar no BE devem ser escorraçados da sociedade ou, quiçá, postos num “gueto” como eram os judeus? (pois é, pá, a PIDE e o Tarrafal acabaram acabou há mais de 30 anos e Auschwitz há 60). E se o BE e o PCP ficarem à frente do CDS nas eleições, com que direito é que os acidentados vêm dar lições aos que têm mais votos que eles? Terá um partido de direita que fique em 5º lugar autoridade moral para dar lições a alguém?
4ª questão: não deixa de ser irónico que os desnorteados venham agradecer ao Presidente da República, com base numa sondagem que dá 45% ao PS e 8% ao BE, “por retirar o governo a uma maioria absoluta e o colocar nas mãos de um partido com 8% dos votos”. É o que se chama perder uma boa oportunidade para estar calado. Se for este o resultado eleitoral, significa que essa maioria absoluta na realidade já não o é. E pergunto: para “esta maioria” ser formada, não foram precisos os 9% do CDS? Fica-se portanto a saber que para os naufragados só é legítimo colocar a formação de um governo nas mãos dum partido com 8% dos votos (ou mesmo 6%) se esse partido for o deles.
Depois das lições de moral dadas ao Ricardo Araújo Pereira por causa da sua opção politica (e atacaram todos em bando, como nas quadrilhas: todos juntos a malhar num só), acabaram, face à ausência de réplica por parte do visado após duas respostas devidamente fundamentadas, por vir manifestar saudades dos amigos do Gato. Pois é, estes devem ter achado que não valia a pena estar a gastar mais cera com tão ruins defuntos.

Kroniketas, sempre kontra as tretas

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O Maratonista - Jornal de Notícias Discretas (III)

25 de Abril sempre?

Com espírito pouco natalício