Off The Wall
Começamos este post com a imagem dum momento histórico: o reencontro dos quatro Pink Floyd (já bem entradotes) para tocarem juntos, ao fim de mais de 20 anos, no Live 8. Para os fãs incondicionais do grupo (como é o meu caso, que os coloco no 1º lugar das minhas preferências) foi um momento mágico que abriu uma porta de esperança para uma repetição do acontecimento e uma digressão em conjunto.
Desde a saída de Roger Waters, a seguir à edição do Final Cut (1983) (para mim o disco dos Pink Floyd que não fazia falta nenhuma, porque foi uma espécie de refugo do que sobrou do The Wall), os fãs do grupo limitaram-se a poder ver os Floyd sem Waters (1994 no Estádio de Alvalade) ou Waters sem os outros (Pavilhão Atlântico em 2002). Pela televisão pudemos ver os Pink Floyd em Veneza e em Londres e o Roger Waters encenar o “The Wall” em Berlim, depois da queda do muro. Mas parece que faltou ali sempre qualquer coisa. Ver os Pink Floyd sem Roger Waters parece mostrar-nos um grupo amputado. A execução é brilhante mas parece que falta a alma. Ver Roger Waters com um grupo de apoio a executar o que David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason faziam com ele, dá-nos a alma do grupo mas falta algum brilhantismo, falta a sonoridade que só os solos de Gilmour e os teclados de Wright conseguem transmitir.
Por isso a importância e a carga emocional de que se revestiu o reencontro no Live 8. Depois daquilo toda a gente ficou à espera de mais. Infelizmente, no site oficial os próprios desmentiram essa possibilidade, pelo que temos de nos continuar a contentar em aproveitar avidamente os DVD’s que vão saindo, de uns e de outro ainda separados, ou as poucas oportunidades para os rever ao vivo (já tenho encontro marcado com o Rock-in-Rio para 2 de Junho).
Eis senão quando começam a aparecer anúncios de concertos de tributo a algumas bandas históricas, uma espécie de clonagem dos originais. Segundo as informações que pude recolher, estes espectáculos são feitos com o beneplácito e o elogio dos originais, sendo executados por músicos profissionais, eles próprios fãs dos grupos em causa. Para os saudosistas e nostálgicos das super-bandas, eis aqui uma boa oportunidade para ouvir tocar ao vivo as músicas de que mais gostamos.
Esta 6ª feira uma parte das Krónikas Tugas, reforçada com uma parte do Grupo Gastrónomo-Etilista “Os Comensais Dionisíacos”, deslocou-se ao Pavilhão Atlântico para assistir à actuação dum grupo chamado Off The Wall. O nome é claramente sugestivo e transporta-nos logo para o imaginário da obra-prima de Roger Waters dentro dos Pink Floyd, e até nos leva a pensar que o espectáculo poderá ser uma recriação do “The Wall” (1979) ao vivo, o que não é o caso.
Ao longo de pouco mais de 2 horas o grupo intitulado Off The Wall percorreu alguns dos temas mais importantes dos Pink Floyd. Começaram logo pelo meu álbum preferido (não só dos Pink Floyd, mas de todos os que conheço), o “Wish you were here” (1975), que tocaram de seguida quase na totalidade. Faltou apenas a canção que dá o nome ao disco, que ficou reservada para o encore. O “Dark side of the moon” (1973) também foi tocado quase na totalidade, embora com alguns saltos na ordem original. Pelo meio, algumas incursões avulsas a álbuns como “Meddle” (1971), com “One of these days”, e os menos significativos “A momentary lapse of reason” (1987), com “Learning to fly”, e “Division Bell” (1994), com “Coming back to life”, e naturalmente algumas das peças mais importantes do “The Wall” (“Another brick in the wall”, “Hey you”, “Run like hell”), tendo encerrado o espectáculo com uma interpretação alargada do inesquecível “Comfortably numb”, logo a seguir ao “Wish you were here”.
Os músicos em palco (um teclista/vocalista principal, um guitarrista/coro e uma guitarrista/vocalista, um baixista, um baterista, um saxofonista/coro e um duo feminino no coro) mostraram-se bastante competentes no desempenho da tarefa. O vocalista principal, encarregado das teclas, não ficou a perder em termos de voz em relação a David Gilmour. Algumas partes de voz de Roger Waters foram interpretadas por ele ou pela vocalista, com algum apoio dos coros. Menos habitual foi a presença duma guitarrista/vocalista, que além de cantar bem (e atreveu-se a fazer o vocal de “The great gig in the sky”, que no original foi interpretado por uma mulher com um vozeirão, Clare Torry), fez solos de guitarra acústica, eléctrica e ainda tocou a variante chamada “pedal steel guitar”. Uma agradável surpresa!
O outro guitarrista, que fez uma boa parte dos solos, não sendo exactamente como o David Gilmour, não se saiu mal da tarefa, tendo reproduzido quase nota por nota as partes mais complicadas.
Quanto a encenações, para além duns quantos jogos de luz o destaque vai para o tradicional ecrã circular que os Pink Floyd habitualmente utilizam, onde foram projectadas imagens do princípio ao fim do espectáculo, começando com a imagem omnipresente de Syd Barrett e terminando com os quatro magníficos. Pelo meio, imagens de “The Wall - O filme”, umas quantas aparições de figuras pouco queridas da audiência em momentos judiciosamente escolhidos, como George W. Bush (durante o verso “the lunatic is on the grass”...), Hitler e Bin Laden.
De resto, mostraram que tinham o trabalho de casa bem preparado, mantendo a audiência presa aos lugares para ouvir a música com toda a atenção. Um aspecto curioso que notei neste concerto foi o facto de, ao contrário da maioria dos outros, mesmo na plateia em pé não se ver ninguém a dançar. Para além da música não ser propriamente dançável, realça o facto de que o pessoal foi lá mesmo para ouvir música.
Para os apreciadores, foi um tempo muito bem empregue, a abrir o apetite para os próximos tributos. Prá semana há mais.
Kroniketas, floydista militante
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