Tempo de reflexão
Eduardo Gageiro, o jornalista e fotógrafo, contava a história numa peça sobre a sua carreira no suplemento Actual do Expresso. Considerava-a marcante na sua carreira – ao contrário do imbecil do escrevente, que a classificou de episódio menor – e exemplificativa da força de uma imagem.
Numa incursão pelo interior profundo do país, num tempo que não era ainda de auto-estradas e em que a miséria não estava escondida como hoje, o fotógrafo viu uma menina na berma da estrada, envolta pela névoa. Fotografou-a, obviamente. E a fotografia foi publicada numa revista. Tal era a sua força que uma senhora tentou saber quem era a menina, que acabou por ser identificada com o auxílio do padre da localidade. Era uma de sete irmãos de uma família bastante pobre. Foi levada pela senhora para Luanda e acabou por se casar com o filho dela.
Bem, depois destes parágrafos oscilantes entre o lirismo bacoco e a tentação neo-realista, devem estar a exclamar: desta é que o tuguinho se foi abaixo! Os neurónios do bicho entregaram a alma ao criador!
Não, ainda não foi desta.
Vá lá, não sejam assim, a história até é bonita! Além de que aquilo de que necessitava era mesmo do sumo desta narração: há instantes que podem alterar toda uma vida…
Ou dito de outro modo, a vida não é mais do que uma sucessão de acasos. Ainda deve ser uma das melhores provas para a inexistência de deus, embora indirecta.
É no mínimo um redutor do tédio. Já dizia o outro: o futuro não está escrito. Nem interessava – nós também não o saberíamos ler.
tuguinho, cínico emocionado
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