O que os outros disseram (XIX)

Algumas passagens da crónica de José Júdice no jornal Metro, que subscrevo inteiramente.

“Ao contrário da quase totalidade dos países onde o Islão é a religião maioritária e a religião de Estado, nos países democráticos onde não há “religião de Estado”, toda a gente é livre de ter uma opinião sobre qualquer assunto e de a exprimir publicamente.”
“A questão posta pelos que criticam a publicação das caricaturas de Maomé parece simples: a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro, e criticar, mesmo que ironicamente (ou sobretudo ironicamente), as crenças religiosas de outro é ofendê-lo naquilo que é mais essencial, que é a sua liberdade religiosa. Isto parece simples. Não se deve gozar com os símbolos sagrados (mesmo se, no caso dos cartoons, a sátira não era ao Profeta mas à interpretação feita pelos bombistas-suicidas de que o Profeta apelava no Corão à Guerra Santa e prometia 70 virgens a quem morresse a combater o infiel), nem criticar qualquer religião de um modo que possa ser ofensivo para os seus praticantes.
Parece simples, mas não é. De que modo encontrar uma definição do que é ou não uma “ofensa” que seja aceite por todos aqueles que não se sentem ofendidos? Se eu chamar ladrão ao meu vizinho, que é um homem sério e respeitado por todos, isso é uma ofensa, a menos que eu prove que ele roubou. Nas democracias, deixa-se aos tribunais o encargo de demonstrar pela prova dos factos que uma crítica é ou não ofensiva. Mas suponhamos que eu digo que Jesus não era filho de Deus, que Maria não era virgem, que Deus não criou o mundo em seis dias, e que a Bíblia é um conjunto de fábulas e tradições milenares de tribos de pastores de cabras, e que os Profetas eram alucinados que tinham visões no deserto provocadas pela insolação?
Certamente que a maioria dos cristãos se sentirá ofendida nas suas crenças por estas afirmações, mas nenhum me levará a tribunal por eu dizer que o que vem na Bíblia é mentira. Nada disso se pode comprovar ou infirmar em tribunal, por mais blasfémia que seja.
Ainda há 300 anos, no entanto, quem dissesse isso seria levado a tribunal e, se não se retratasse e abjurasse as blasfémias, seria condenado à fogueira. A liberdade política, essência da democracia, foi uma consequência da liberdade religiosa.”
“Darwin teria sido queimado vivo se vivesse nessa época.”
“O que diferencia uma sociedade livre duma sociedade totalitária e intolerante é a possibilidade de discordar, discutir, criticar e até ofender dentro dos limites aceites pela lei dos homens e não segundo as regras impostas pela lei de um Deus, sobretudo quando não é o nosso.”
(José Júdice, jornal “Metro”, 13-2-2006)

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