Ladrando à Lua (13): O País desnatado

Li no passado fim-de-semana, num semanário de referência, a descrição de um episódio que se passou com um gestor de uma companhia nacional: este gestor, que viajava com a família, tomando conhecimento de que no mesmo voo tentavam seguir dois funcionários da sua empresa com as respectivas famílias e que, devido à falta de lugares, estes teriam de seguir separados, cedeu os seus lugares para que os funcionários e famílias pudessem viajar todos no mesmo voo. Aleluia! Um gestor nacional com uma atitude destas é uma novidade, normal seria tentar usurpar através da cunha e da posição social os lugares de outrem para que pudesse seguir num determinado voo. É aí é que está o busílis da questão – o referido gestor é brasileiro, não é português… Agora que estávamos tão contentes por conhecer um empresário português que tivesse entendido que para ser respeitado e não somente temido também teria de se dar ao respeito! Era sorte demais…
É o eterno problema deste país – Portugal é um país desnatado, ou seja, não temos elites de jeito, só versões light que não engordam o país, antes o consomem. Elites que preferem fazer conferências inócuas para colocar a culpa toda nas outras partes – os trabalhadores, que são uns calões, e o governo, que só os prejudica. Coitadinhos…
E que tal arregaçar as mangas, analisar as coisas desassombradamente, esquecer os tiques de classe e resolver os problemas? Isto também é válido para as nossas obtusas organizações sindicais, que em vez de fazerem manifestações senis a la revolução industrial dos tempos do Dickens, melhor fariam se ajudassem realmente os trabalhadores e perdessem também os tiques de classe e deixassem de ser correias de transmissão de alguns partidos políticos.
Não vejam aqui o fim da política ou o fim da história, pelo contrário. Mas já não vivemos num mundo industrial de chaminés fumegantes e fuligem no ar – uma boa parte dos operários modernos usam camisa branca e vivem no meio de inócuos papéis e de etérea informação.
Custa assim tanto olhar para as coisas sem preconceitos e tentar resolvê-las sem agendas secretas nem conspirações obscuras? Não há por aí ninguém que, em vez de querer aparecer nas Holas desta vida queira mesmo levar as coisas para a frente, realizar trabalho e contribuir para um país melhor, solidário e justo para todos, ricos ou pobres, patrões ou empregados? É que já vai sendo tempo de fazermos alguma coisa de jeito, porque as últimas que fizemos foram pelos idos de 1500…

tuguinho, cínico encartado

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