Desabafos, coño

No regresso de férias as Krónikas abrem um espaço à colaboração externa, para dar voz à indignação de um comparsa sem forum adequado para a manifestar. O título, a assinatura e as ideias são dele, e não vinculam necessariamente os autores deste blog à totalidade do conteúdo. No entanto a publicação do artigo que se segue é feita, naturalmente, por considerarmos válidas as ideias nele expressas.

Idálio Saroto, provedor do blog



Uma visita – misturada com algum acaso - a um velho amigo que mora perto de Tavira, resultou numa pequena viagem por terras espanholas. Recomendação dele, uns dias antes, quando planeávamos a jornada: “traz o depósito na reserva!”. Percebi imediatamente a razão. A gasolina – assim como o gasóleo – é mais barata por lá. Ok, segui as instruções dele e tentei calcular, pelas voltinhas que daria nos dias seguintes por Albufeira, Portimão, etc, qual o momento em que estaria a precisar de gasolina.
Nesse belo dia, lá fui eu. Assim que chegámos a Ayamonte, foi-nos impossível abastecer – em boa verdade, nem perto do posto chegámos! – pela quantidade inacreditável de carros que nos precediam. Em bicha que ia até uma rotunda a mais de 300m de distância! Elemento curioso: nem uma matrícula espanhola à vista. Mas como não pude ver todos os carros, achei que era apenas um acaso.
Entrámos um pouco mais dentro de Espanha e eis que surge outra bomba, esta da Galp (pois, essa mesmo, a companhia portuguesa). Rumámos a ela e, mesmo assim, tínhamos seis carros à nossa frente (em cada “ilha” de abastecimento). Coincidência: todos os carros – eram mesmo todos, verifiquei porque saí do meu para ver melhor – eram portugueses. Aliás, os únicos espanhóis por perto eram os funcionários do posto. Porquê? Por ser um posto nacional e os nossos compatriotas estarem com saudades de algo genuinamente luso ou porque as diferenças por litro, na gasolina, ascendiam aos 15 cêntimos? No gasóleo, a diferença era menor mas ainda assim importante: 8 cêntimos.
Bem, mas lá abastecemos e seguimos viagem. Mais tarde, ao jantar, abordámos o assunto. Puxei do meu espírito patriótico e disse: “ó Zé, não te parece que os 50 Km que fazes para vir encher o depósito a Espanha não compensam? Gastas vários litros no processo!”. E ele, depois de uma pausa, talvez com algum receio de ferir o meu revelado espírito, começou a sua justificação.
Resumindo uma conversa que se estendeu por várias horas, vou apenas focar os pontos essenciais: ele está a frequentar um mestrado numa universidade em Sevilha. E porquê? Porque lhe fica mais perto do que Lisboa; tem uma auto-estrada directa que cola com a via do Infante, em que não paga um cêntimo; enquanto lá está, poupa dinheiro em combustível, refeições e supermercado. Tudo substancialmente mais barato porque (mas não só por isso!) o IVA deles é de 16% e vai descer para 15%!!!!!!! Leram bem: vai DESCER! Passarão a ter apenas duas taxas: 15% e 7%.
Mesmo nos meses de férias do mestrado, como Agosto, ele vai uma vez por semana a Espanha abastecer o carro e aproveita para ir a uma grande superfície fazer as compras da semana. Em vez dos 100 € que gasta em Portugal, deixa lá 70 ou 80 €. Isto é, poupa 20 a 30 € e o Estado português, espertalhão, em vez de cobrar menos IVA, se a taxa fosse inferior, não cobra nenhum! ZERO! E como ele, há milhares de outros raianos, ao longo das centenas de quilómetros de “fronteira” que temos com Espanha, a fazer o mesmo! Quanto custa isso ao país, em impostos? Em postos de trabalho? Em movimento económico?
Mas ainda há mais, muito mais: é mais barato ir passar férias ao Sul de Espanha do que ao Algarve. O alojamento é melhor, os equipamentos de praia são superiores (passadiços nas praias, chuveiros, lojas e restauração de qualidade e acessíveis, arquitectura muito bem ordenada, de acordo com a geografia dos locais, locais de estacionamento…). Comprar um T1 em Isla Cristina, Isla Antilla, ou Matas las Cañas custa menos que fazer o mesmo em Albufeira!
E estes são os motivos objectivos. Agora, passemos aos outros: superior sensação de segurança; ausência – aparente, pelo menos - de pessoal de aspecto “duvidoso”; sensação de verdadeiras férias pelo ambiente reinante de pessoas diferentes, com língua e “look” bem diferentes do que se vê habitualmente no Algarve; e, posso estar a ser mauzinho, a gasolina deu para mais quilómetros do que quando abasteço em Portugal! Ok, foi por qualquer outro motivo que me escapa, mas aconteceu mesmo e tão cedo não esquecerei; têm um piloto de F1 no comando do campeonato e só por milagre o título lhe fugirá; têm um piloto (pelo menos!) de ponta no moto GP e outro (pelo menos!) nos 250cc, o que só contribui para lhes elevar o moral e o orgulho nacional, no presente e no futuro mais próximo; já depois de ter escrito este texto, o Oriol Servia ganhou a corrida de Champ Cars em Montreal (o que me obrigou a acrescentar esta linha); são uma potência futebolística mundial com clubes detentores de invejáveis palmarés; estão entre os principais utilizadores de energia eólica, a anos-luz de nós, reduzindo a sua dependência do petróleo e da conjuntura mundial; ouvi ontem no telejornal que anularão o deficit orçamental em 2006. É verdade. Lá não se discute se vão ser 6.83% ou 4 ou 2! Haverá um superavit!
Porque será? Porque eles – assim como os irlandeses, os gregos, etc. – aproveitaram os fundos de coesão para qualquer coisa palpável em vez de casas, quintas, carros, negociatas e sabe-se lá mais o quê, apenas para uma meia-dúzia de eleitos? Porque não têm altas individualidades que são apanhadas a 200 Km/h, a caminho de Lisboa e a apenas 20 Km desta, a pretexto de uma reunião importante, a decorrer 3 horas mais tarde? Eu também tenho muitas reuniões. Importantes. Será que posso usá-las como argumento para os meus excessos? Ficarei tão impune como esta individualidade vai ficar?
No final do jantar com o meu amigo Zé Pego, já com a ajuda de algumas bebidas que ditaram o nosso regresso na condição de passageiros, desabafávamos, no meio de gargalhadas: “mas porque raio não foi o D. Afonso Henriques afogado à nascença?...”

Maranello, artista convidado

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