As músicas da minha vida 2 – Outubro de 1975: Van Der Graaf Generator – “Godbluff”



Mais uma declaraçãozita: Nestes idos dos setentas as coisas, como já disse, eram bastante diferentes no que toca à disponibilidade dos discos que ouvíamos no mercado nacional. Não, não havia Internet, portanto não dava para encomendar online… O mais próximo disso eram os catálogos de casas inglesas que enviavam discos à cobrança, mas era tudo feito pelo correio e demorava semanas. Mas valia a pena, porque as prensagens nacionais de vinil eram tudo menos perfeitas, com muito grão que causava ruído na leitura dos discos. Coisas do analógico…
O panorama da rádio nos anos 70 também era muito diferente. Desvantagem: a maioria das rádios fora nacionalizada e só existiam meia dúzia de emissoras. Vantagem: não existiam Play-lists nem tretas desse estilo, pelo que havia maior liberdade no que se ouvia e a rádio de autor não era apenas um mito. Talvez a implosão anunciada das editoras nos propicie de novo essa liberdade.
No Rádio Clube Português (o original, não a treta que existe agora) havia um programa chamado Dois Pontos, seguido avidamente sempre que as aulas o permitiam. Tinha duas horas de duração e transmitia álbuns completos, sem interrupções que não fossem as necessárias no início e no fim, para que soubéssemos o que íamos ouvir e porquê. Muita coisa nos foi dado a descobrir nesse espaço que hoje, com a ditadura dos tops e das audiências, será impossível recriar. É mais fácil alimentar a turba com DZRT’s e Just Girls… mas pronto, para quem sai da universidade sem saber interpretar um texto e muito menos escrevê-lo dar mais também seria um desperdício – é a tal questão das pérolas a porcos.
Mas nesse longínquo Outubro de 1975 foi passado nesse programa um grupo com um nome bem estranho: Van Der Graaf Generator. O álbum divulgado já era o seu quarto, mas foi aquele que expandiu a sua fama e com o qual os conheci. O nome? Godbluff!
Com nítidas influências de jazz – que por mais que tente não consigo ouvir (pronto, no geral detesto mesmo), mas cuja influência no rock e na pop aprecio – e um line-up que incluía baterista, teclista, saxofonista e guitarrista-vocalista, a música dos VDGG movia-se por terrenos inovadores, cruzando o rock progressivo com uma liberdade de criação característica do melhor jazz, dando origem a algo tão específico que não mais se repetiu, por ser impossível replicá-lo. A forte personalidade dos executantes, principalmente do saxofonista David Jackson e do vocalista-guitarrista Peter Hammil , que era também o principal compositor, não era passível de reprodução.
Com apenas 4 canções, o disco faz-nos viajar por variadas paisagens sonoras, mas com traços de união evidentes. Desde o amanhecer distópico de The Undercover Man à desolação sem regresso de Scorched Earth. Do suspense de Arrows até à força contida de Sleepwalkers, que fecha a obra com chave de ouro. Um disco que nos marca a fogo, inesquecível e irrepetível…
Sendo estupendo, ainda assim não foi esta a obra-prima maior da carreira dos VDGG – o álbum seguinte, Still Life, conseguiu ir mais além, mas desse falaremos depois.
Portanto, quando me lembro de Outubros invulgarmente cálidos em que a noite já cai às cinco da tarde, é deles que me lembro, e da gravação feita da rádio para uma cassete num radiogravador Orion de boa memória. Lembrem-se de que não é preciso ter grandes aparelhagens e som 5.1 para se apreciar música – bastam dois ouvidos (ou um, mas não vamos chegar a esses extremos).
tuguinho, cínico dó-ré-mi

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