Uma equipa à deriva, ou o estranho fenómeno do eclipse do Benfica nas segundas partes

Quem tem pachorra para me ler sabe que não costumo começar a deitar abaixo logo à primeira contrariedade e sou bastante tolerante com os treinadores e com a equipa, até um certo limite... Há um ano já muita gente fazia o funeral ao Rui Vitória e eu sempre o defendi porque achei que era prematuro. Tal como duas épocas antes, quando em Dezembro estivemos a 7 pontos do 1º lugar.

Agora é diferente. Este foi o 5º jogo da época, depois duma época em que tudo se perdeu (não apenas por culpa do treinador, sublinhe-se) e em que muito se devia ter ganho – o desejado pentacampeonato devia ser um objectivo estratégico e nunca na história teria sido tão fácil chegar lá. Mas os responsáveis acharam por bem desmantelar a equipa tetracampeã e perder o campeonato para uma equipa que na sua linha avançada tinha nomes como Marega, Soares e Aboubakar! Só em Portugal é que isto poderia acontecer! Depois do completo esbanjamento duma época inteira, do desmantelamento da equipa e do falhanço da qualificação directa para a Liga dos Campeões, este ano alguém acordou e achou que era altura (eureka!) de investir tudo para ir (de novo) à Liga dos Campeões.

O que aconteceu esta noite frente ao PAOK não augura nada de bom para o que aí vem. Depois duma vitória no limite sobre o Fenerbahçe (com golos falhados em série), hoje foi um empate no limite frente ao vice-campeão da Grécia.

E se o Fenerbahçe é um dos maiores clubes da Turquia (disputando a primazia com o Galatasaray e o Besiktas), o PAOK nem sequer está entre os clubes mais titulados da Grécia: é apenas o 5º com 2 singelos campeonatos ganhos (o Olympiakos tem 44, o Panathinaikos 20, o AEK 12 e o rival de Salónica, o Aris, tem 3) e o 4º com 6 Taças da Grécia (o Olympiakos tem 27, o Panathinaikos 18 e o AEK 15).

Tal como tem vindo a acontecer desde há duas épocas (no mínimo), na segunda parte e a ganhar por um, o Benfica deixou de jogar à bola. Aconteceu na abertura do campeonato, a ganhar por 3 ao V. Guimarães, e acabámos com o credo na boca. Aconteceu esta noite, com consequências que podem ser gravosas: do 1-0 que permitiria ir jogar a Salónica sabendo que só seríamos eliminados perdendo por 2 (com a vantagem psicológica que isso representa, e que ficou bem patente na 2ª mão contra o Fenerbahçe, na Turquia), para o 1-1 que nos coloca em desvantagem para a 2ª mão: o empate a zeros já não serve para nada, pois é preciso marcar mais um golo do que o PAOK marcou cá. Só uma vitória ou um empate por 2-2 (ou mais) nos qualificam.

Mas, mais grave que um resultado meio-negativo, é mais uma segunda parte medíocre. Por razões que escapam ao meu entendimento, o meio-campo do Benfica teima em eclipsar-se nas segundas partes e a equipa desaparece do jogo, o que é tanto mais incompreensível quanto se está a ganhar e a dominar o jogo. Pior ainda, o treinador nunca mexe na equipa quando deve, e parece estar a ficar com uma espécie de síndroma de José Peseiro: sempre que mexe, mexe mal e piora o que mal já estava. E, por coincidência, começa sempre por piorar onde isso não podia acontecer, que é precisamente no meio-campo, com isso perdendo de vez o controlo do jogo. Não aconteceu uma vez nem duas, aconteceu tantas vezes que são incontáveis! O que se passou depois do golo do empate do PAOK (que já se pressentia) merece apenas figurar no anedotário dum jogo de futebol, pois não passou duma monumental trapalhada, com um futebol aos repelões e sem rei nem roque, onde ninguém parecia ter a mínima noção do que estava ali a fazer.

O jogo com o V. Guimarães foi exemplar a esse respeito. A pretexto (pressupõe-se) de “poupar” jogadores para a 1ª mão contra o Fenerbahçe, a meio da 2ª parte Rui Vitória tirou Fejsa do meio-campo e o Benfica desmoronou-se, sofrendo dois golos de rajada que tornaram um confortável 3-0 (já com a equipa a jogar em baixíssima rotação) num aflito 3-2. Até hoje, ainda não consegui perceber esta estranha filosofia de alguns treinadores de hipotecar o jogo de hoje (“poupando” jogadores) para (supostamente) melhor poder ganhar amanhã. Esquecem-se é que, muitas vezes, já não há amanhã. Assim foi no final da época passada, com a escandalosa derrota em casa perante o Tondela, que entregou o título de bandeja ao Porto e o 2º lugar ao Sporting, porque a seguir era preciso ir a Alvalade... ganhar ao Sporting! Acontece que não se conseguiu nem uma coisa nem outra, e só ficámos no 2º lugar porque um presidente louco pôs uma equipa à beira dum ataque de nervos e o Sporting perdeu no Funchal com o Marítimo na última jornada.

Esta noite, pela enésima vez, o Benfica perdeu golos em série e empatou um jogo que podia e devia ter ganho confortavelmente. O acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões está por um fio. E, tal como o ano passado, depois duma incompreensível derrota em casa com o CSKA após um jogo miserável, no que foi o início da pior campanha da história na Liga dos Campeões (impossível fazer pior: 6 jogos, 6 derrotas), o treinador Rui Vitória apresenta um discurso completamente desfasado da realidade, fugindo ao muito que de mau foi feito e ao muito de bom que não se fez. Não adianta vir com desculpas da tanga e dizer que jogámos para ganhar e que merecemos passar, porque conversas da tanga não ganham jogos. A verdade é que Rui Vitória (que, sublinho, tenho sempre defendido pois é o mesmo que nos deu o tri e o tetra e ganhou 6 títulos nos primeiros 2 anos) parece, cada vez mais, ter perdido o pulso à equipa e ter-se perdido nas suas próprias confusões, indecisões e trapalhadas tácticas. E com a qualidade do futebol da equipa sempre no plano descendente ao longo das 3 épocas anteriores, começa a já não haver paciência para discursos desfasados da realidade a querer tapar o sol com a peneira, pois as suas explicações chocam violentamente com uma realidade – que os adeptos vêem dentro do campo – totalmente diferente do que ele apregoa.

Rui Vitória parece ter chegado ao fim da linha, e já não encontra soluções para os problemas, criando ele próprio, várias vezes, problemas em cima dos problemas que já existem. O seu ciclo parece esgotado, e há já quem fale à boca cheia no regresso de Jorge Jesus. Depois do jogo desta noite, quase apetece dizer: volta Jesus, que estás perdoado!

Se esta missão-PAOK falhar (e oxalá eu me engane aqui e agora mesmo), nem o “ACREDITEM, PORRA!” de há um ano de Luís Filipe Vieira, na célebre assembleia-geral das cadeiras pelo ar, pode ser pronunciado desta vez. Porque isso, a acontecer, representará um falhanço em toda a linha de toda a estrutura: desde o presidente ao treinador, a terminar em jogadores que tão depressa são tão bons como o último oásis no deserto como são dispensáveis ao virar da esquina.

Enquanto isso, os benfiquistas choram as perdas de Ederson, Nelson Semedo, Lindelöf, Renato Sanches, Mitroglou e agora, a culminar, de Raul Jiménez (e já nem falo de André Horta e Bernardo Silva, pois nem chegaram a ser pedras importantes na primeira equipa). Para além de várias delas incompreensíveis, como os dois avançados citados, mais grave é que olhamos para as contratações dos últimos dois anos e não vemos um jogador contratado (UM ÚNICO) que tenha compensado minimamente as saídas. E enquanto Jiménez e Mitroglou, que não comiam a bola nem faziam malabarismos, iam resolvendo jogos, cotando-se como complementos quase perfeitos para o genial Jonas, agora jogamos com avançados que não acertam na baliza (ainda ninguém percebeu o que valem realmente Ferreyra, Castillo e Seferovic, mas que não fazem esquecer Jiménez e Mitroglou, não fazem). Ao mesmo tempo, Pizzi desgasta-se por carregar a equipa às costas e Fejsa tapa o que consegue. E quando falha um dos dois… não há meio-campo, porque também não há alternativas.

Mais uma vez, a (inexistente) segunda parte do Benfica parece ter sido feita a pensar em poupanças para ganhar ao Sporting no próximo sábado... O pior é se não se ganha, e teremos a repetição do episódio-Tondela de Maio passado. É difícil não aprender com os erros e persistir em repeti-los passados apenas 3 meses... Para agravar o panorama, depois do Sporting é preciso ir ganhar a Salónica… Será que também se vai poupar contra o Sporting na segunda parte?

Kroniketas, sempre kontra as tretas

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O Maratonista - Jornal de Notícias Discretas (III)

25 de Abril sempre?

Com espírito pouco natalício