As músicas da minha vida 4 - 1977 / 1979 - Seventy seven, nearly heaven: o surgir do Punk Rock/New Wave


Antes de começar a escrever sobre o assunto, são devidos alguns esclarecimentos já prestados em comentário, mas nunca aqui na rua principal: estas krónikas são sobre as músicas da minha vida, por isso as datas referidas dizem respeito ao ano em que o disco ou as músicas chegaram aos meus ouvidos, não tendo nada a ver com a data de edição; outra questão diz respeito à própria cronologia dos artigos – não vão sair necessariamente numa ordem cronológica. Posto isto, vamos ao que interessa.

Nos fins da década de 70 a música chegara a um impasse: os grupos de rock progressivo já não conseguiam progredir mais, os grupos de hard rock estavam encalhados nos mesmos riffs de sempre, e levara-se a execução para tão altos voos que era impossível a um grupo de miúdos com vontade de fazer música fazerem-na efectivamente – era preciso ser perfeito, tocar sem falhas, ser quase um erudito do instrumento respectivo, coisa que obviamente só se consegue com muitos anos de estudo e prática, e não se coadunava minimamente com o imediatismo dos desejos da juventude.
Isso, antes de qualquer outra coisa, foi o que fez agitar a modorra! Em certos meios de Londres e de Nova Iorque começaram a surgir grupos de putos que antes de tudo queriam tocar. Não tinham dinheiro para instrumentos caros nem tempo para aprenderem a ser virtuosos da guitarra. No cru início, tinham mais vontade do que jeito, e foi uma espécie de aprendizagem com a prática que fez guindar muitos deles a voos maiores.

Como sempre nestas coisas, a música não veio só: toda uma iconografia e forma de vestir, uma atitude provocatória e penteados pouco consentâneos com a Old England se mostraram numa Londres pouco preparada para o ciclone que se seguiu, uma espécie de Maio de 1968, mas cínico e nihilista e completamente anti-flower power e hippiezada rançosa. Ou seja, de Maio de 1968 só a força radical da ruptura! (mas desse Maio falaremos noutro post)
Grupos que hoje nada dizem a quase toda a gente, como Slaughter and the Dogs, X-Ray Spex, The Damned, e outros que quase todos conhecemos, como The Cars, The Clash, os Sex Pistols ou os Ramones, surgiram nessa altura. A pressa era muita porque o mundo já era rápido. Esta explosão de sons sucedeu em 1977 e passou como um rolo compressor sobre a música existente. Uma boa parte do que hoje ouvimos provém, de uma forma ou doutra, dessa revolução sem líderes e da evolução desse grito básico de há 31 anos.
É óbvio que o Punk Rock não surgiu do nada: tirou a energia ao rock’n’roll inicial e foi buscar muito do seu estilo a grupos como New York Dolls ou The Who, que nem todos andavam na batida rua principal dos sons.
Mas o Punk foi o estado puro da revolução e, como todos sabemos, as revoluções acalmam sempre depois de cortarem umas cabeças, real ou virtualmente. Por isso o punk como punk durou pouco. Aliás, e pensando bem, nunca foi puro - na sua própria natureza libertária e contestatária já continha os germes que o modificaram e adoçaram e no-lo trouxeram já baptizado como New Wave.
Com o nosso proverbial atraso, só se começou a ouvir por cá pelo ano de 1978 e com maior força em 1979. As primeiras tropelias dos Sex Pistols foram relatadas pela revista Música & Som (de que sou feliz proprietário de colecção completa) e foram-nos dadas a ouvir, na vertente New Wave, por Luís Filipe Barros no seu programa radiofónico Rock em Stock, uma verdadeira pedrada no charco da rádio desse tempo, quando ainda não havia playlists e não se tinha de esgravatar o húmus do solo para descobrir grupos novos e interessantes.
Foi nessa altura que apareceram grupos e artistas como Blondie, Police, Joe Jackson, Elvis Costello, The Jam e etc. Muitos etc.!
Não é possível num singelo post num blog esmiuçar as implicações e analisar tudo o que trouxe ou provocou, nem isso se pretende nestas romagens músico-saudosas (mas no bom sentido!). Por isso vamos tentar assim:
Imaginem o seguinte. Estão num quarto fechado. Cheira a bafio (ou a mofo, como quiserem). Parece que lá fora o sol brilha. Resolvem abrir a janela. Quando a abrem, entra cor por todo o lado, os horizontes expandem-se até ao infinito e tudo parece possível! O Verão de 1979 há-de soar-me aos ouvidos da memória sempre assim, cheio de luz e de liberdade, ao som de “Art-I-Ficial” dos X-Ray Spex, de “11:59” dos Blondie ou de “Can’t Stand Losing You” dos Police…
Espero que tenham compreendido.


Para foto deste artigo usei a capa de um registo histórico do punk/new wave, uma colectânea registada no Roxy London Theatre e que na altura foi uma espécie de ponto da situação na frente londrina. A álbuns específicos voltarei depois, e prometo não esquecer o icónico “Pink Flag” dos Wire, obra-prima do género e do minimalismo, com 21 temas arrumados nos dois lados da velha rodela de vinil.
Portanto, se for caso disso, relembrem. Se forem tenrinhos, vão conhecer! Porque nunca ter ouvido The Clash equivale a não saber quem foi o primeiro rei de Portugal...


tuguinho. cínico de crista

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